segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Girassóis Sombrios





Dá-me os tons de tua existência
Tão só pela sombra de tuas palavras não proferidas
No prospecto de um silêncio plurissignificativo,
Que na abrangência do som que emitirias
Entoaria a voz de minhas lágrimas secas.
Todavia, é da cor dos olhos
Da cor de que pintei os meus sentidos
O sorriso ocre que estampo sem mais.
Não é no que sou que resguardo á fé de não temer o que serei,
E temo.
Não é no que quero que baseio a luta por meus objetivos,
E não espero.
Costurei na boca de meus sapos a relutância de meus seres,
Deixei de me ter pelo delírio inexprimível da divina insânia profana
E encontrei graça em companhia de outros sorrisos.
De olhos menos profundos,
De contradição menos aparente,
De perturbação mais inexplicável.
Adiante, talvez perca a motivação de minha pena,
Como me parece ter ocorrido.
Talvez volte atrás nalgumas decisões,
Veja ou não resistir à geografia e à desobediência.
Mas me já extasio tão só com o espetáculo do fogo que ateei.
Da luz que emite em meios-tons da noite
E do cádmio vivo de meus girassóis que crescem na sombra.
Mais ainda pela tonalidade das cinzas,
Que se não dispersam...
Das queimaduras não superficiais,
Fá-las-ei sanarem-se.
Não desprovidas das cicatrizes com que presentearei olhos saudosistas.
Com efeito, que fiz mais intenso o adeus
Do que a distância que me separará.
É que o mesclado de meus sonhos ociosos
Evacua o ventre infecundo de idéias,
E tão somente me permitem restaurar das chamas parte do que levarei comigo.
Disto a pedaços da transitoriedade inerente às barras de ferro em torno de mim
Que fiz derreter com o calor,
E me motivo só pela ânsia de provar da transformação dos amores,
De todos os meus.

Tatiane Hirata

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

. Caligrafia escarlate .





.Flutuando na placidez do ventre da minha amada mãe
Na face humanizada das minhas bonecas de porcelana
Nas paredes do meu quarto
Nas carteiras escolares
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Entre pedras e arbustos
Nos oitis,nas folhas de plátanos e nos campos de lírios
À sombra de ramalhudas e luxuriantes árvores
Nos invernos agrestes,ao calor do fogo e frescor da chuva
Escrevia teu nome com o meu sangue.
No porão aturdida de lembranças vivas e afetuosas
Nas areias ermas quando desabitadas
No teto das cabanas,nos meus inestimáveis animais de estimação
Nos diversos lugares desolados e graciosamente solitários
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Nos travesseiros e lençóis de falso cetim
Em todas as toalhas brancas que me enxuguei
Nas páginas dos meus livros velhos e bolorentos
Nas cartas que escrevi e que nunca serão enviadas
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Nas salas de espera, nas vitrines e vidraças
Nos vapores dos espelhos, nos banheiros
Nos elevadores e nos automóveis
Nas ruas, nos postes e muros
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Nos pratos, nas taças e talheres
No gargalho das garrafas de vinho
Nas noites surdas e insones
Nos anestésicos engolidos em vão
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Nos meus instantes de cólera e desespero
Nos meus acessos de loucura
Na mais penosa insegurança e aflição
Nos cadarços que se arrebentaram a 2 passos dos portões do inferno
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Na minha carne,ossos,cartilagem e nervos
Nas feridas mal curadas,no padecimento sufocante
Nos jornais, nas notícias que se desgraçam
Nos olhos enervantes
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Nos candelabros,
Em todos os riscos que a coragem encerra
Nas catacumbas, criptas e ossários
No lampejo de tudo que se encontra além e que revela a vida
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Na alegria insinuando-se sorrateiramente ao longo do dia
Nos templos,nos cálices,nos bancos das comunidades eclesiais
Nas noites de litúrgicos delírios e contentamentos difusos
Nas minhas horas mais sublimes de súbito êxtase e exaltação
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Em todos os prazeres,
Na impetuosidade do meu temperamento - perverso e celestial
No vento, nas nuvens cumuliformes como uma doida varrida
Nas entrelinhas, na embriaguez das palavras
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Tempo de recomeçar!
Haja amor! Haja sangue!
E tem sido assim,
Desde o primeiro dia até o final dos tempos.
Diátese hemorrágica?
Não queira traçar o meu perfil grafológico
Deixe-me sangrar à vontade!
Eu gosto assim.
Os dias se enobrecem,
E a rotina encarrega-se de rotular a minha caligrafia escarlate!.


. Kaísa .
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