terça-feira, 1 de janeiro de 2008

. Caligrafia escarlate .





.Flutuando na placidez do ventre da minha amada mãe
Na face humanizada das minhas bonecas de porcelana
Nas paredes do meu quarto
Nas carteiras escolares
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Entre pedras e arbustos
Nos oitis,nas folhas de plátanos e nos campos de lírios
À sombra de ramalhudas e luxuriantes árvores
Nos invernos agrestes,ao calor do fogo e frescor da chuva
Escrevia teu nome com o meu sangue.
No porão aturdida de lembranças vivas e afetuosas
Nas areias ermas quando desabitadas
No teto das cabanas,nos meus inestimáveis animais de estimação
Nos diversos lugares desolados e graciosamente solitários
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Nos travesseiros e lençóis de falso cetim
Em todas as toalhas brancas que me enxuguei
Nas páginas dos meus livros velhos e bolorentos
Nas cartas que escrevi e que nunca serão enviadas
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Nas salas de espera, nas vitrines e vidraças
Nos vapores dos espelhos, nos banheiros
Nos elevadores e nos automóveis
Nas ruas, nos postes e muros
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Nos pratos, nas taças e talheres
No gargalho das garrafas de vinho
Nas noites surdas e insones
Nos anestésicos engolidos em vão
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Nos meus instantes de cólera e desespero
Nos meus acessos de loucura
Na mais penosa insegurança e aflição
Nos cadarços que se arrebentaram a 2 passos dos portões do inferno
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Na minha carne,ossos,cartilagem e nervos
Nas feridas mal curadas,no padecimento sufocante
Nos jornais, nas notícias que se desgraçam
Nos olhos enervantes
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Nos candelabros,
Em todos os riscos que a coragem encerra
Nas catacumbas, criptas e ossários
No lampejo de tudo que se encontra além e que revela a vida
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Na alegria insinuando-se sorrateiramente ao longo do dia
Nos templos,nos cálices,nos bancos das comunidades eclesiais
Nas noites de litúrgicos delírios e contentamentos difusos
Nas minhas horas mais sublimes de súbito êxtase e exaltação
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Em todos os prazeres,
Na impetuosidade do meu temperamento - perverso e celestial
No vento, nas nuvens cumuliformes como uma doida varrida
Nas entrelinhas, na embriaguez das palavras
Escrevia teu nome com o meu sangue.
Tempo de recomeçar!
Haja amor! Haja sangue!
E tem sido assim,
Desde o primeiro dia até o final dos tempos.
Diátese hemorrágica?
Não queira traçar o meu perfil grafológico
Deixe-me sangrar à vontade!
Eu gosto assim.
Os dias se enobrecem,
E a rotina encarrega-se de rotular a minha caligrafia escarlate!.


. Kaísa .
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2 comentários:

Tati disse...

De um mesmo despertar de sensações de que é capaz de ser o escarlate...

Tati disse...

Pois é...em plena madrugada como não deixariam de ser meus momentos mais sublimes, reli.
Tive de dizer mais.
Que me agora causou insano prazer.
Obrigada por essa sensação...
Continua assim, que quando crescer quero escrever igual a ti.